sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O Tributo dos Deuses: Sacrifícios no Império de Cuzco

Assim como os Astecas, o Império Inca teve apenas um século para florescer a partir de seu ápice. O Império foi construído ao redor de sua capital, Cuzco, na porção central do Peru.

Os Incas capturaram e assimilaram as populações vizinhas, estima-se, que na época da chegada dos Conquistadores Espanhóis, sua população era de aproximadamente 12 milhões de habitantes, falando 20 idiomas diferentes e com mais de 10 culturas distintas. Os Incas formaram o maior Império na América do Sul antes da chegaga dos europeus, estendendo-se do Equador até o Chile (embora seu centro de poder estivesse localizado no atual Peru).

Durante sua campanha expansionista, os Incas foram menos violentos que outros povos conquistadores, embora tivessem uma máquina de guerra bastante avançada. Governantes locais eram respeitados e mantidos em suas funções, desde que aceitassem render seus filhos aos cuidados dos incas. Estes eram enviados a Cuzco para receber educação e crescerem dentro do espírito inca acreditando em seus deuses, suas crenças e obedecendo suas leis. Desse modo quando retornassem, os herdeiros de direito seriam fiéis ao império.

Os Incas eram um povo extremamente engenhoso, capaz de enormes realizações nos campos da construção, engenharia e arquitetura. Um de ses maiores legados são as ruínas de Machu-Pichu, a notável cidadela encravada nas montanhas. Também se destacaram na medicina (realizando complexas operações intra-cranianas), na metalurgia e na matemática.

Mas quando mencionamos os Incas, algo que vem à mente são as suas estranhas práticas religiosas.

Os mais antigos registros à respeito dos ritos religiosos Incas, ironicamente foram coletados pelos historiadores espanhóis que acompanharam o conquistador Francisco de Pizarro em 1533. Os mesmos homens responsáveis pela destruição do império foram os que mantiveram os registros sobre seus costumes. Através dessas crônicas e da descobertas de múmias, as peças de um grande quebra-cabeça foram se encaixando para revelar uma religião complexa que envolvia a veneração a deuses das montanhas, a crença num sistema de reencarnação, elaboradas cerimônias de sepultamento e finalmente o sacrifício humano.

Sacrifícios (ou Capacocha) eram comuns durante ou depois de eventos marcantes: um terremoto, uma epidemia, uma enchente ou quem sabe após a morte de um Imperador Inca. De acordo com os arqueólogos os sacrifícios incas frequentemente envolviam crianças, em muitas ocasiões o filho de um chefe com uma posição de alta hierarquia. A criança escolhida personificava uma divindade em corpo mortal que tinha ligação direta com os deuses uma vez que descendia do Deus-Sol. O sacrifício não era visto como um fardo, mas uma benção para a família e para a própria criança. Essa era uma forma de demonstrar que a criança e seus pais compartilhavam de um vínculo com os deuses. Acredita-se que as crianças escolhidas tinham de ser perfeitas, sem qualquer imperfeição que maculasse o ideal de beleza adotado pela sociedade Inca.

Além disso, crianças eram consideradas seres puros, quase espirituais protegidos inclusive pelas leis dos incas. Isso demonstrava o tamanho do sacrifício que se fazia ao oferecê-los em honra dos deuses. O sacrifício, no entanto, era essencial para o sistema religioso Inca. Através dessa importante oferenda deuses como Viracocha e Pachamama eram apaziguados e em troca concediam fecundidade aos animais, fertilidade dos campos e chuvas moderadas.

Os Incas escolhiam crianças de qualquer sexo que agradasse aos deuses e cuja idade estivesse entre 6 e 15 anos. Por um ano a criança era preparada e ficava sob a tutela de religiosos responsáveis por decidir qual seu destino. Ela poderia ser poupada do sacrifício se eles não a considerassem apta ou se concluíssem que ela poderia ser melhor aproveitada no ofício religioso. Nesse período ela recebia ensinamentos religiosos e uma dieta baseada em milho - uma comida considerada divina.

Decidido o destino da criança, os sacerdotes organizavam uma peregrinação da vila natal do escolhido até Cuzco, capital do Império. Essa viagem durava pelo menos 3 meses e servia para que o povo pudesse testemunhar o acontecimento. Religiosos, membros da família, chefes e outras personalidades faziam parte dessa comitiva que era recebida com grandes festas, banquetes e homenagens por onde passava.

Ao chegar a Cuzco, o próprio Imperador recepcionava os peregrinos no seu palácio real com todas as honras. A criança e seus pais recebiam presentes luxuosos e eram cobertos de ouro.

Enquanto a criança e seus familiares permaneciam na companhia do imperador, os sacerdotes davam início aos preparativos para a cerimônia. Eles escolhiam uma montanha alta considerada sagrada e começavam a construir uma plataforma sacrificial. Essas plataformas eram erguidas na face da montanha com pedras que formavam uma espécie de tumba protegida. A criança era colocada no interior dessas plataformas junto com artefatos funebres como estatuetas feitas de ouro e prata, potes de cerâmica pintada e peles de llhamas.

Os sacerdotes também confeccionavam as túnicas que as crianças deveriam vestir e costuravam símbolos místicos cada um com um significado específico. As roupas eram pesadas e ornamentadas com um propósito mórbido adicional, imobilizar a criança e impedir que ela resistisse.

No dia do sacrifício, a criança escolhida recebia uma mistura de chicha, um álcol extraído da maizena e folhas de coca, presumivelmente para aliviar os efeitos da altitude e da ansiedade. Essa mistura induzia uma semi-consciência que facilitava o trabalho dos sacerdotes e a deixava afortunadamente alheia ao que ocorria. A celebração era realizada na plataforma com a criança devidamente envolvida pelos trajes e os objetos que ela carregaria consigo no outro mundo posicionados aos seus pés. Um sacerdote principal presidia a cerimônia, mas ele podia ser assistido por outros sacerdotes, não era permitido contudo que outras pessoas testemunhassem o ritual, em teoria era um momento de segredo divino e grave respeito.

A maneira como os sacrifícios eram realizados ainda divide os cientistas. Ao que parece o procedimento dependia do celebrante que podia empregar maneiras violentas e especialmente brutais. Há muita discussão à respeito disso: por que afinal de contas os sacerdotes usariam de tamanha violência para despachar uma criança sagrada para os deuses?

A resposta pode estar na bebida sagrada consumida pelos sacerdotes para estabelecer o transe no momento do ritual. Essa bebida com base na raíz de achiote, é um potente alucinógeno que pode induzir a um surto psicótico de curta duração. Outra teoria é que o martírio serviria para atrair a atenção dos deuses e fazer com que eles acolhessem as crianças com maior facilidade.

Seja como for, algumas crianças eram deixadas para morrer por exposição aos elementos (frio extremo e ventos cortantes da altitude). Outras no entanto, experimentavam algo muito mais terrível. Há indícios de asfixia, o corpo esmagado pelas vestes cerimoniais de tal forma que as costelas e ossos da pélvis se partiam. Crânios fraturados também foram a causa da morte de várias múmias encontradas nos Andes peruanos. Um único e potente golpe na base do crânio que causava o ferimento fatal. Outros métodos incluíam o uso de lâminas afiadas para cortar a artéria carótida ou ainda o emprego de um longo espeto de ferro usado para trespassar o coração.

Após a conclusão do sacrifício, um sacerdote especialmente escolhido carregava a criança para o interior da plataforma de pedra. Os objetos eram dispostos ao redor dela. Finalmente, esse mesmo sacerdote bloqueava o acesso ao interior com pedras e lama.

Especula-se que os sacerdotes tinham a obrigação de visitar o local por pelo menos um ano deixando na entrada do sepulcro folhas de coca. Por vezes, um boneco parecido com a pessoa é colocado na plataforma como lembrança. Alguns acreditam que os sacerdotes eram responsáveis por evitar que essas crianças sacrificadas retornassem como espíritos nem vivos-nem mortos. Por curiosidade, essas criaturas do folclore Inca guardam notável semelhança com as lendas sobre vampiros uma vez que também se alimentam de sangue e estão condenadas a viver à noite.

A maneira como os corpos eram depositados nessas estruturas lacradas serviu para mumificá-las naturalmente. O clima seco dos Andes, preservou cabelos, roupas e órgãos internos, mesmo as feições no fim permaneciam intactas, eternizadas pelos séculos.

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