quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Conhecimento e pesadelo - Idéias para tornar o Necronomicon ainda mais tenebroso

Baseado no artigo de John Goodrich

Como Guardião, você já deve ter passado por isso. Foi provocado, questionado, tentou se esquivar, tentou contornar, tentou evitar e atrasar, mas de alguma forma, seja por perseverança, uma pontinha de esperteza ou pura malandragem, seus jogadores conseguiram localizar uma cópia do Necronomicon. Conhecimento é poder, afinal de contas, e o Necronomicon tem a fama de ser um tremendo repositário de conhecimento profano.

Entretanto, como Guardião, você precisa fazer alguma coisa mais do que simplesmente mandar seus jogadores rolarem 2d10 pontos de sanidade por ler esse tomo. Do contrário, o Necronomicon ficará parecendo apenas um livro velho contendo estórias assustadoras. E nós sabemos que ele é muito mais do que isso.

O Necronomicon deve representar tudo aquilo que é repulsivo, detestável, inacreditável e obsceno. Se os personagens conseguirem acesso a esse livro, cabe ao mestre tornar essa experiência algo realmente memorável e especialmente assustador. Seus jogadores precisam entender que ler o Necronomicon não é para qualquer um, ele afeta profundamente as pessoas e as transforma por dentro e por fora. Muitas vezes, uma sutil, arrepiante e inexplicável experiência é mais enervante para o jogador do que castigar o personagem com uma grande perda de sanidade.

De acordo com muitas estórias à respeito do Necronomicon, ler suas páginas é algo diferente de tudo. Seu conhecimento representa um desafio às crenças individuais e em qualquer fé na humanidade. Ele é ainda um ataque aos sentidos, despertando sensações e perventendo aqueles que se aproximam dele. Atraíndo-os como mariposas, cada vez mais perto da chama.

Alguns dizem que o livro está saturado com uma inacreditável energia negativa que transborda e contamina aqueles que o manipulam. Meramente tocar no Necronomicon, o inocente ato de virar suas páginas e examinar suas ilustrações é o suficiente para causar ondas de náusea e melancolia. O livro possui, por assim dizer, uma aura imersa em trevas que drena a vida, deixando em seu lugar uma casca vazia.

Histórias obscuras e assustadoras circulam à respeito desse livro blasfemo. Ele é matéria de lendas, rumores e sussurros. Em círculos místicos e ocultos, as pessoas evitam dizer seu nome em voz alta, alguns chegam ao extremo de negar sua existência afirmando que tamanha anátema não poderia existir em um mundo coerente.

Aqui estão algumas sugestões de como usar o Necronomicon e como tornar uma consulta a esse tomo uma experiência perturbadora. Se você desejar, é possível adaptar essas sugestões a outros livros do Mythos ou usá-las para outras ambientações onde figuram livros perigosos.

Todas essas idéias podem ser usadas como sugestões da mente do indivíduo, talvez ele imagine essas coisas, talvez elas sejam verdadeiras. O ideal é que o próprio personagem não tenha certeza.

Como regra geral, nenhum desses efeitos é permanente, eles se instalam a medida que o personagem avança no estudo do Necronomicon e se agravam à medida que ele perde sanidade. Após concluir a leitura ou parar no meio, é provável que esses efeitos desapareçam a não ser que o personagem esteja em vias de enlouquecer, nesse caso as coisas podem se estender indefinidamente.

Escolha o efeito (ou efeitos) que mais tenham a ver com seu jogo e com o personagem em questão.

1 - Enquanto o personagem lê o Necronomicon, ele começa a ouvir sussurros distantes. Logo, esses sussurros parecem estar em todo lugar. À princípio é apenas uma impressão enervante, mas aos poucos o personagem começa a entender algumas palavras perdidas em meio a esses sussurros. Vozes dissonantes de pessoas que ele conheceu e que se foram. Essas vozes descarnadas parecem partilhar os segredos contidos nas páginas, lembrando constantemente dos horríveis temas ali discutidos. Seriam esses sussurros as palavras dos djinns mencionados por Al-Hazred?

2 - O investigador entra em contato com a energia nefasta que permeia o livro. Dias depois dele examinar o livro os efeitos nocivos permanecem. Ele se sente estranhamente imundo. Suas mãos parecem sempre úmidas, o suor brota em seu corpo como uma película fria e oleosa, sua boca tem um gosto de ferro e seus lábios secam e racham. O personagem sente uma estranha alergia, pústulas podem surgir e sua pele exala um cheiro ocre de corrupção e morte. No início o cheiro parece estar à sua volta, apenas mais tarde ele entende de onde vem o fedor... vem dele mesmo.

3 - O investigador tem a impressão de ouvir coisas estranhas. Sua mente associa palavras do dia a dia com nomes perdidos e trechos de litânias contidas no Necronomicon. Quando o porteiro de seu prédio lhe diz "bom dia", ele tem a impressão de ouvir "Iä, Shub-Niggurath". Quando sua esposa elogia seu termo você ouve claramente "Ph'nglui mglw'nafh Cthulhu". À princípio ele apenas acha que está cansado, mas logo isso vai se tornando mais e mais comum. Logo ele não é capaz de compreender o que os outros dizem, as palavras parecem uma confluência bizarra de nomes estranhos quase impronunciáveis. Sua mente é assaltada por esse horror e não demora para que as palavras contidas em livros, placas e jornais sejam substituídas por essas mesmas palavras bizarras. Como se comunicar, como entender o que os outros dizem?

4 - Eis aqui o inverso. As palavras que saem da boca do investigador vão se tornando cada vez mais estranhas e incompreensíveis. As pessoas olham intrigadas quando ele responde uma pergunta simples dizendo: "Tsathogua, abith Yuggoth mi't agad'rth Y´Golonac". De nada adianta tentar escrever ou gesticular, os símbolos parecem glifos arcanos, gestos místicos e hieroglifos bizarros. O investigador se torna um enigma inescrutável.

5 - Algumas estórias mencionam demônios e outras criaturas malignas aprisionadas em objetos inanimados. O Necronomicon pode ser um imã dessas forças malignas. Esses espíritos impuros são capazes de possuir temporariamente o corpo dos vivos e usá-los livremente. Um investigador pode ser vítima desse tipo de maldição. Uma força maligna toma seu corpo e o obriga a cometer atos de violência impensada, a agredir amigos e familiares, a agir de uma maneira totalmente incoerente e estranha. Quem sabe essa força o comande a gritar os nomes dos antigos do alto de uma torre? Ou quem sabe correr nu pelas ruas de Londres? Ou ainda atear fogo em sua própria casa. Esses episódios parecem sonhos distantes e quando de volta às suas faculdades, o indivíduo não se recorda de nada.

6 - O Necronomicon desperta paixões primitivas na mente do investigador. Ele sente uma necessidade incontrolável de estravasar esses desejos animalescos. Talvez ele acorde no meio da madrugada e se descubra satisfazendo uma fome incontrolável comendo enormes porções de carne crua. Tomado de um desejo primitivo luxurioso ele pode atacar uma amiga ou sua própria companheira como um verdadeiro selvagem. O comportamento do indivíduo é pervertido e qualquer senso de moral anulado.

7 - O miasma maligno que emana do Necronomicon contamina o próprio ambiente de tal maneira que ele se torna carregado com energia negativa. Flores e plantas murcham, crianças de colo choram sem parar, cães ladram na vizinhança... a água tem um gosto estagnado, a comida parece sem sabor e as pequenas coisas agradáveis do dia a dia não tem o mesmo significado. A aura se alastra à medida que o Necronomicon é lido, primeiro em uma sala, depois em um prédio, uma rua, um quarteirão...

8 - O mesmo miasma pérfido age novamente. Noite após noite um número maior de insetos parece migrar para o lugar onde o investigador lê o Necronomicon. Mariposas enormes voam ao redor da lâmpada da sala de leitura na biblioteca, moscas inchadas zumbem no vidro das janelas, besouros enormes se escondem nas dobras de suas roupas, vermes surgem na sua comida e no final do dia dezenas de cigarras cantam uma melodia ensurdecedora.

9 - O horrível conhecimento contido no Necronomicon parece desejar ser compartilhado. O investigador começa a copiar trechos inteiros do livro. Ele faz anotações e comentários e os envia para amigos e colegas. Inconscientemente ele anota alguns trechos em outros livros da biblioteca ou esquece rascunhos contendo desenhos horrendos no interior de outros volumes. O personagem é acometido de um desejo irrefreável de compartilhar alguns trechos do livro e passa noites inteiras fazendo cópias até seus dedos sangrarem. Um investigador pode descobrir atônito que durante a missa dominical, no meio de um hino religioso começou a entoar uma estrofe de adoração a Yog-Sothoth.

10 - O conhecimento medonho do Necronomicon afeta o sono do investigador. Ele e acometido por pesadelos cada vez mais assustadores e por sonhos incoerentes que parecem se repetir como um deja-vu. Ele acorda frequentemente coberto de suor, gritando ou chorando. Os efeitos da privação do sono são bem documentados: irritabilidade, incapacidade de se concentrar, perda de peso e até mesmo alucinações. Poucas coisas são mais lovecraftianas do que pesadelos aterradores que conduzem inexoravelmente à insanidade.

11 - O investigador começa a desenvolver uma crescente paranóia à respeito do Necronomicon. É como se todos ao seu redor soubessem de sua pesquisa e desejassem roubar o livro, privando-o de ler o final e conhecer todos os seus segredos. O personagem não suporta que outras pessoas manipulem o tomo e menos ainda que outros o leiam. Todos parecem conspirar para impedi-lo de ler o livro desde seus amigos até a simpática bibliotecária que o atende diariamente. Se alguém tentar separá-lo do livro, ele pode reagir violentamente. Eventualmente, o personagem poderá roubar, enganar ou chantagear outras pessoas, tudo para ter o livro de volta em suas ávidas mãos.

12 - O investigador sente como se a sua vida estivesse lentamente sendo drenada. Na verdade mais parece uma troca: a medida que ele absorve o conhecimento do livro, mais sua saúde começa a ficar debilitada. O personagem se sente cansado, propenso a vertigens e desmaios. Ele tem dores de cabeça terríveis, sangramentos nasais e enjôo. Após concluir um capítulo o indivíduo pode sentir uma horrível ânsia de vômito se vendo obrigado a correr para o banheiro e eliminar seu almoço o mais rápido possível.

O Guardião certamente não deve usar todos esses efeitos e pode escolher aqueles que parecem mais adequados ao seu jogador. Ele também deve fazer com que os efeitos sejam percebidos gradualmente e não d euma vez só. A exposição ao conteúdo profano do Necronomicon demanda algum tempo para se instalar, mas a partir de então ele inicia uma marcha silenciosa rumo a insanidade.

Conclusão:

Livros do Mythos são coisas cancerosas que deveriam ser mantidas longe dos olhos da humanidade. O mal associado a eles é palpável, as pessoas que os escreveram eram indivíduos loucos degenerados, simplesmente amorais. Eles são o resultado de pensamentos perigosos, mentes doentias e de pessoas dispostas a realizar experiências indescritíveis.

Apenas os investigadores verdadeiramente desesperados ou aqueles pesquisadores totalmente desprovidos de autopreservação mergulham de cabeça nesse mundo. Há também aqueles tolos o bastante para acreditar que podem escapar desses terrores simplesmente fechando os livros e se negando a ler. O que eles não sabem é que ao ler os primeiros capítulos de um tratado esotérico suas mentes já estão em grave risco. Ler um livro do Mythos é como brincar de roleta russa, nunca se sabe o quão perto se está de estourar os próprios miolos.

Em resumo, tenha em mente o seguinte. Nos tempos medievais alguns povos viam os livros sob uma perspectiva de estupefação supersticiosa, eles consideravam a escrita uma forma de comunicação com os mortos. Consideravam que captar os pensamentos dos outros era algo extremamente perigoso. Talvez estivessem certos.

Tomos dedicados aos Mythos ancestrais merecem causar essa mesma apreensão e temor, acima de tudo o assombrado Necronomicon.

10 comentários:

  1. Ótimas idéias para tornar o Livrão único. Ainda não tive coragem de colocar ele em meus cenários.

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  2. Pois é, confesso que eu também usei bem pouco o Necronomicon (qualquer versão) em minhas mesas de jogo. Acho que até os mestres tendem a ficar intimidados pelo livro e pelas consequências de deixar os jogadores o encontrar.

    Eu o usei apenas duas vezes: na reta final de uma campanha em que o livro desempenhava uma função extremamente importante e em uma aventura one-shot onde o grupo precisava convencer um feiticeiro a permitir o acesso ao livro. Essa foi bem legal pois os jogadores acabaram se queimando feio em uma negociação com o mago.

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  3. http://ahduvido.com.br/o-universo-de-lovecraft-da-ficcao-a-realidade
    achei isso lendo bobeira na net

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  4. Murderface, legal que a fonte citada foi este blog aqui!

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  5. O que questionei foi, eu não vi eles citando como tendo retirado o material daqui...foi isso que quis dizer. Só tem nos comentários. Se o cara fosse decente citava o blog e linkaria como indicação.

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  6. cara... sensacional esse mundo de call of cthulhu. não conhecia e agora to axando show... putz, to xeio d perguntas.... queria jogar esse rpg. tenho pouca experiencia c rpg, mas queria conhecer mais sobre esse terror de lovecraft. Que dicas vc me dá para iniciar nessa aventura? e vc conhece alguma maneira deu ingressar em algum grupo desse rpg na cidade de sp? vlw pela atenção e desculpe minha ignorancia.

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  7. Puxando a sardinha....

    http://loja.retropunk.net/product_info.php?cPath=22_23&products_id=63

    Não é CoC, mas é tão bão quanto, e está em português.

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  8. Esse rastro é o boom de rpg no estilo horror dos últimos tempos! Tem altas matérias a respeito dele no blog, procure aí!

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  9. Opa Andarilho, seja bem vindo a Mundo Tentacular. Qualquer pergunta é só dizer.

    Cthulhu não é um RPG que requer muitos conheciemntos da ambientação. De fato, quanto menos vc sabe sobre os segredos do jogo, melhor. Uma vez que o jogo se passa no mundo normal (nos anos 20-30) é bem fácil de assimilar as noções da ambientação.

    Pelo que sei há vários jogadores em SP que gostam de CoC e de RdC, sem dúvida eles aceitariam um novo jogador. Eu indico procurar jogadores em lojas ou em encontros de RPG.

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  10. Murderface e Dom Max,

    Rastro é sem dúvida mais acessível para quem quer conhecer a ambientação.

    É mais fácil de achar por aqui, mais em conta e não há o impedimento do idioma (que às vezes pode vir a ser um problema).

    Rastro e uma ótima maneira de conhecer o Mythos e as criações de Lovecraft. Sem falar que jogo em si é muito bom.

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