domingo, 4 de novembro de 2012

O Errante das Estrelas (Parte 1) - Conto de Robert Bloch

Conto "The Shambler of Stars" por Robert Bloch
Traduzido por Arthur Ferreira Jr.
Blog Dominio Publicano

Robert Bloch  um de meus autores favoritos favoritos no universo do Mythos. Aqui esta um de seus mais conhecidos contos usando a mitologia criada por H.P. Lovecraft, o conto seminal que apresentou os tenebrosos Vampiros Espaciais.


O ERRANTE DAS ESTRELAS

I

Eu sou o que professo ser – um escritor de ficção bizarra. Desde a mais tenra infância, fui escravizado pela enigmática fascinação do desconhecido e do indecifrável. Os medos sem nome, os sonhos grotescos, os caprichos mórbidos e quase intuitivos que assombram nossas mentes, sempre causaram em mim um prazer potente e inexplicável.

Na literatura, tenho caminhado pelas trilhas da meia-noite com Poe, ou furtivamente andado pelas sombras com Machen; esquadrinhado os reinos das estrelas horrendas com Baudelaire, ou imerso na loucura interna da terra, entre as histórias da sabedoria antiga. Um talento medíocre em esboços e trabalho com crayon levou-me a tentar rudes pinturas envolvendo os habitantes alienígenas de meus pensamentos noturnos. O mesmo tipo soturno de intelecto que atraiu-me na arte interessava-me nos obscuros reinos da composição musical; as melodias sinfônicas da Suíte dos Planetas e coisas do gênero eram as minhas favoritas. Minha vida interna logo tornou-se um banquete macabro de horrores sobrenaturais e irresistíveis.

Minha existência mundana era comparativamente morna. Conforme passava o tempo, encontrei-me caindo cada vez mais na vida de um recluso pobretão; uma existência tranquila e filosófica entre um mundo de livros e sonhos.

Mas um homem tem de viver. Por natureza constitucional e espiritualmente averso ao trabalho manual, a princípio fiquei confuso diante da escolha de uma vocação adequada. A depressão complicou as coisas a um grau quase intolerável, e por um certo tempo, estive perto do total desastre econômico. Foi então que decidi escrever.

Procurei uma máquina de escrever gasta, uma resma de papel barato, e alguns papéis carbono. Que melhor campo, se não os reinos infinitos da imaginação colorida? Poderia escrever sobre horror, medo, e sobre o enigma que é a Morte. Pelo menos, na insensibilidade de minha falta de sofisticação, era isto que eu tencionava.

Minhas primeiras tentativas logo convenceram-me de quão completamente eu havia falhado. Triste e miseravelmente, não havia atingido minha meta aspirada. Meus vívidos sonhos, no papel, tornavam-se amontoados sem sentido de adjetivos ponderosos, e não encontrei palavras comuns para expressar o terror maravilhado do desconhecido. Meus primeiros manuscritos eram documentos miseráveis e fúteis; as poucas revistas que utilizaram tais materiais foram unânimes em sua rejeição.

Mas eu tinha de viver. De forma lenta, mas constante, comecei a ajustar meu estilo às minhas ideias. Laboriosamente, experimentei com palavras, frases, estruturas de sentenças. Era um trabalho, e um trabalho duro. Logo aprendi a me esforçar. Todavia finalmente uma de minhas histórias foi bem recebida; e então uma segunda, uma terceira e uma quarta. Logo, tive de começar a dominar os truques mais óbvios da área, e o futuro enfim parecia mais brilhante. Foi com a mente menos carregada que voltei à minha vida de sonhos e a meus amados livros. Minhas histórias rendiam-me um viver um tanto apertado, e o por um tempo isto foi suficiente. Mas não por muito tempo. A ambição, essa ilusão eterna, foi a causa de minha ruína.

Almejava escrever uma história real; não do tipo estereotipado e efêmero que aparecia nas revistas, mas uma obra de arte real. A criação de uma obra-prima assim tornou-se meu ideal. Eu não era um bom escritor, mas isto não se devia totalmente a meus erros no estilo mecânico. Na verdade, a falha estava no meu assunto abordado. Vampiros, lobisomens, carniçais, monstros mitológicos – estas coisas constituíam material de parco mérito. Imagética de lugar-comum, tratamento adjetival corriqueiro, e um ponto de vista prosaicamente antropocêntrico eram os principais detrimentos na produção de uma boa história bizarra.

Devo buscar novos assuntos, material de tramas verdadeiramente incomum. Se pelo menos pudesse conceber algo que fosse teratologicamente inacreditável!

Ansiava aprender as canções que os demônios cantam quando rodopiam entre as estrelas, ou ouvir as vozes dos deuses mais antigos quando sussurram seus segredos ao vazio ecoante. Almejava conhecer os terrores do túmulo; o beijo das larvas em minha língua, a fria carícia de uma mortalha apodrecida sobre meu corpo. Tinha sede do conhecimento encontrado nos poços de olhos mumificados, e queimava pela sabedoria conhecida apenas pelo verme. E então poderia de fato escrever, e ter minhas esperanças genuinamente realizadas.

Busquei uma forma. Quietamente, comecei a trocar correspondências com pensadores e sonhadores isolados, de todo o país. Havia um eremita nas colinas a oeste, um sábio nas florestas ao norte, um sonhador místico na Nova Inglaterra. Foi deste último que aprendi sobre os antigos livros que detém estranha sabedoria. Ele citava reservadamente o lendário Necronomicon, e falava timidamente de um certo Livro de Eibon, que tinha a reputação de superar o primeiro no caráter totalmente selvagem de suas blasfêmias. O místico em si havia sido estudante desses volumes de temor primordial, mas não gostava da ideia de me ver pesquisando longe demais. Ele ouvira muitas coisas estranhas quando garoto na cidade de Arkham, assombrada pelas bruxas, onde as antigas sombras ainda espreitam e caminham furtivas, e desde então havia sabiamente evitado o conhecimento mais sombrio e proibido.

Após muita pressão de minha parte, ele relutantemente consentiu em prover-me os nomes de certas pessoas que considerava aptas a ajudar em minha busca. Ele era escritor de notável brilhantismo e ampla reputação entre os poucos relevantes, e eu sabia que ele estava avidamente interessado no resultado da demanda em si.

Tão logo sua preciosa lista chegou em minhas mãos, comecei uma ampla campanha postal para obter acesso aos volumes desejados. Minhas cartas atingiram universidades, bibliotecas privadas, videntes famosos e os líderes de cultos cuidadosamente ocultos e obscuramente designados. Mas estava fadado ao desapontamento.

As réplicas que recebia eram definitivamente inamistosas, quase hostis. Ficava evidente que os falados possuidores de tais conhecimentos ficaram irritados com a ideia de seus segredos assim revelados por um espião estranho. Fui subsequentemente alvo de várias ameaças por carta, e pelo menos uma chamada telefônica alarmante. Isto não me incomodou mais que a percepção desapontadora de que minhas empreitadas haviam falhado. Negativas, evasões, recusas, ameaças – estas coisas não me ajudariam. Deveria buscar em outra parte.

Livrarias! Talvez em alguma prateleira embolorada e esquecida pudesse descobrir o que buscava.

Comecei então uma interminável cruzada. Aprendi a suportar meus numerosos desapontamentos com uma calma inabalável. Ninguém no tipo comum de livraria parecia jamais ter ouvido falar do temível Necronomicon, no maligno Livro de Eibon, ou no inquietante Cultes des Goules.

A persistência traz resultados. Numa pequena e velha livraria da South Dearborn Street, entre prateleiras empoeiradas aparentemente esquecidas pelo tempo, cheguei ao fim de minha busca. Ali, seguramente encaixado entre duas edições de Shakespeare datadas de dois séculos, estava um grande volume negro, com adornos protetores de ferro. Sobre ele, em letra manuscrita, estava a inscrição De Vermis Mysteriis, ou, “Os Mistérios do Verme.”

O proprietário não sabia dizer como foi que aquele livro havia chegado a sua posse. Anos antes, talvez, tenha sido incluído em algum lote variado, de segunda mão. Obviamente não estava ciente de sua natureza, já que eu o comprei por apenas um dólar. Ele embalou para mim a ponderosa coisa, bastante satisfeito com a venda inesperada, e me deu um satisfeito bom-dia.

Saí apressadamente, meu preciso prêmio sob o braço. Que descoberta! Havia ouvido falar antes deste livro. Ludvig Prinn era seu autor, que havia perecido na fogueira inquisitorial em Bruxelas, quando os julgamentos das bruxas estavam em seu auge. Um estranho personagem – alquimista, necromante, reputadamente um mago – gabava-se de ter chegado a uma idade miraculosa, quando finalmente sofreu a imolação flamejante nas mãos do braço secular. Dizia ele ser o único sobrevivente da malfadada Nona Cruzada, exibindo como prova certos documentos embolorados que o atestavam. É verdade que um certo Ludvig Prinn estava entre os cavalheiros vassalos de Montserrat, nas mais antigas crônicas, mas os incrédulos rotularam Ludvig como um impostor insano, embora talvez um descendente direto do guerreiro original.

Ludvig atribuía seu aprendizado feiticeiro aos anos que passara cativo entre os magos e taumaturgos da Síria, e falava longamente dos encontros com os gênios e efreets da mitologia do Oriente Médio. Sabe-se que ele passou algum tempo no Egito, e existem lendas entre os dervixes líbios falando dos feitos do velho vidente em Alexandria.

De qualquer forma, seus dias de declínio foram passados no país flamingo das terras baixas, onde havia nascido e onde residia, apropriadamente, nas ruínas de uma tumba pré-romana erguida na floresta próxima a Bruxelas. Ludvig tinha a reputação de habitar ali entre um enxame de familiares e conjurações temerariamente invocadas. Os manuscritos ainda existentes falam dele de maneira reservada, como sendo atendido por “companheiros invisíveis” e “servos vindos das estrelas.” Os camponeses evitavam a floresta à noite, pois não gostavam de certos ruídos que ressoavam sob a lua, e muito certamente não estavam ansiosos de ver o que andava venerando nos velhos altares pagãos que erodiam em certos bosques mais soturnos.

Qualquer que seja a verdade, essas criaturas que ele comandava jamais foram vistas após a captura de Prinn pelos lacaios inquisitoriais. Os soldados perseguidores encontraram a tumba totalmente deserta, muito embora tenha sido saqueada nos mínimos detalhes, antes de sua destruição. As entidades sobrenaturais, os instrumentos e componentes incomuns – todos haviam curiosamente desaparecido. Uma busca nas florestas proibidas e um exame temeroso dos estranhos altares não adicionou informação alguma. Haviam manchas frescas de sangue nos altares, e também na roda de tortura, antes do fim das sessões de questionamento de Prinn. Uma série de torturas particularmente atrozes falharam em suscitar quaisquer revelações adicionais do mago silencioso, e depois de muito os exaustos interrogadores cessaram de tentar e lançaram o envelhecido feiticeiro numa masmorra.

Foi na prisão, enquanto aguardava o julgamento, que escreveu as linhas mórbidas e pressagiosas de horror do De Vermis Mysteriis, conhecido hoje como Mistérios do Verme. Como ele fora contrabandeado para além dos guardas atentos foi em si um mistério, mas um ano após sua morte ele foi impresso em Cologne. Foi imediatamente suprimido, mas umas poucas cópias já haviam sido distribuídas em privado. Estas por sua vez foram transcritas e embora houvesse uma impressão posterior, censurada e deletada, apenas o original em latim é aceito como genuíno. No decorrer dos séculos apenas uns poucos eleitos houveram lido e ponderado sobre seus conhecientos. Os segredos do velho arquimago são conhecidos hoje apenas pelos iniciados, e estes descorajam quaisquer tentativas de espalhar sua fama, movidos por certas razões bastante definidas.

Era isto, em resumo, o que eu sabia da história do volume, na época em que ele me caiu nas mãos. Como item de colecionador, apenas, o livro era uma descoberta fenomenal, mas quanto a seus conteúdos, não poderia fazer avaliação. Estava em latim. Já que posso falar ou traduzir apenas umas poucas palavras desse idioma erudito, fui confrontado por uma barreira, tão logo abri as páginas emboloradas. Era enlouquecedor ter tal cofre do tesouro de conhecimento obscuro ao meu dispor e ainda assim carecer da chave que o abriria.

Por um momento entrei em desespero, pois estava indisposto a abordar algum erudito clássico ou entendido em latim, portando livro tão horroroso e blasfemo. Veio então a inspiração. Por que não ir a leste buscar a ajuda de meu amigo? Ele era estudante dos clássicos e estaria menos propenso a ficar chocado com os horrores das revelações nocivas de Prinn. Portanto enderecei a ele uma carta ansiosa, e logo após recebi minha resposta. Ele teria prazer em ajudar-me – eu devia apressar-me em ter com ele.
Conclui na parte 2.

Um comentário:

  1. Eu realmente adoro esse conto. Robert Bloch realmente sabia como usar o Mythos de forma impactante. Engraçado que ele começou a escrever contos de horror com apenas 15 anos. E teve a primeira estória publicada aos 17 pela Weird Tales.

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