terça-feira, 12 de agosto de 2014

A Epidemia de 1918 - Quando a Gripe Espanhola varreu o mundo


Nestes dias, as pessoas se preocupam com gripe suína, gripe aviária, gripes em geral, AIDS e Ebola. Mas há noventa anos atrás, ocorreu uma epidemia que colocaria todas as nossas preocupações atuais no chinelo. 

O nome dessa crise era Gripe Espanhola. Sua primeira e mortal aparição no palco do mundo se deu no ano de 1918, e ela se manteve uma ameaça por quatro temporadas até que misteriosamente desapareceu tão rápido quanto havia surgido por volta do final de 1919. Infelizmente nos últimos momentos de sua performance dezenas de milhões de pessoas estavam mortas naquela que provavelmente foi a mais mortal pandemia dos tempos modernos, e sem dúvida a mais letal epidemia registrada pela história, superando até mesmo a catastrófica Peste Negra de 1340.

"A Influenza Espanhola", como foi chamada, surgiu na Europa e foi levada para outros países ao redor do mundo, pelas tropas retornando da Grande Guerra (1914-1918). O contingente de homens viajando grandes distâncias ajudou a espalhar o vírus permitindo a ele infectar um número crescente de pessoas. A despeito de seu nome, não existe uma prova concreta de que a Influenza tenha surgido na Espanha. Cientistas modernos acreditam que a "Gripe Espanhola" era originalmente um vírus animal, muito semelhante a moderna gripe aviária e suína e que ele teria sofrido uma mutação para uma configuração especialmente agressiva contra humanos. A Gripe Espanhola era incrivelmente contagiosa e milhares de pessoas morreram logo nos primeiros meses. Estima-se que algo em torno de 75 milhões de pessoas pereceram na Peste Negra, enquanto algo entre 70 e 100 milhões (os números variam muito) morreram em decorrência da Gripe Espanhola.

A Influenza era uma doença terrível. Menos parecida com a molestia que conhecemos hoje em dia e mais semelhante a uma brutal pneumonia, a Influenza, no final da década de 1910 era impossível de ser tratada. As pessoas que contraíam o vírus sentiam primeiro os efeitos de uma gripe comum: cansaço, fraqueza, tontura. Os médicos encorajavam os pacientes a dormir e repousar como qualquer médico dos dias atuais faria diante de um resfriado. Entretanto, os sintomas logo pioravam. De um resfriado comum, surgia uma dificuldade crônica de respiração, tosse seca, falta de ar e eventualmente vômito. Esses dois últimos sintomas eram  resultado do ataque do vírus aos pulmões, o que causava ainda sangramento interno e produção de fluidos. Alguns conseguiam expelir essas secreções, mas no fim das contas, os pulmões ficavam tão cheios de pus e sangue que a pessoa literalmente se afogavam.


A Influenza Espanhola foi descoberta em 1918, enquanto a Grande Guerra ainda estava sendo travada na Europa. É provável que os primeiros soldados feridos ou de licença dos campos de batalha tenham carregado consigo o vírus enquanto retornavam do front. Os soldados americanos que retornavam da França tiveram contato com a doença e logo que a guerra terminou, foram eles que levaram a Influenza para a America. A primeira epidemia ocorreu em uma base do exército no Kansas, o Forte Riley que recebia contingentes de soldados que haviam lutado além mar. Dali, ela se espalhou rapidamente por todos os EUA, ajudada pelo movimento de tropas viajando de trem pelo país voltando a suas cidades natais. A gripe era extremamente contagiosa, e acredita-se que sua disseminação atingiu mais de 15 milhões de pessoas em apenas 25 semanas.

Logo ficou claro que as autoridades precisavam intervir para conter a epidemia. Mas na época haviam muitos obstáculos. Para começar, quando a gripe foi descoberta, o mundo ainda estava em guerra e a maior parte dos profissionais da área médica estavam voltados para o fronte, tratando os feridos. Os hospitais também estavam cheios de vítimas da guerra, na França por exemplo, não havia vagas para atendimento e os primeiros infectados foram colocados ao lado de soldados em estado já debilitado multiplicando as vítimas. A microbiologia estava apenas engatinhando, o termo só havia sido cunhado em 1910, e a ciência ainda não compreendia a natureza dos vírus. Os cientistas conheciam as bactérias e como elas funcionavam, além de como evitá-las, vírus, no entanto eram um mistério. Para combater a proliferação da doença, tornou-se obrigatório para todas as pessoas usar máscaras enquanto estivessem em público. Uma medida inútil uma vez que o vírus podia facilmente penetrar nas simples máscaras que a maioria das pessoas usava. Um slogan popular sobre as medidas de saúde a serem empregadas dizia:

“Obedeça as leis,
Coloque sua máscara de gaze,
Proteja a si mesmo
Das patas da septicemia”.


Ainda que as pessoas tentassem obedecer as leis, essa medidas de precaução surtiam muito pouco efeito. Na primeira onda, a doença causou 675,000 mortes nos EUA; 200,000 na Grã-Bretanha, 400,000 na França. Em seu ápice nos EUA, as cerimônias funerárias foram limitadas a 15 minutos por pessoa, sepulturas em massa foram escavadas para enterrar os mortos, enquanto médicos e cientistas lutavam para achar uma cura. Alguns especialistas tentaram desenvolver vacinas para proteger as pessoas ainda sadias, mas a exposição ao vírus contido na proopria vacina resultava em mais convalescentes.

Um fato enigmático a respeito da gripe é que ao invés de atacar os muito jovens ou velhos, ela parecia afetar especialmente as pessoas no auge de seu desenvolvimento. Homens e mulheres entre 20-30 anos eram as principais vítimas sucumbindo ao vírus com maior rapidez, enquanto pessoas nos extremos da escala etária permaneciam intocadas.

Houve duas grandes ondas da gripe espanhola, algo que a maioria das pessoas na época não perceberam. A primeira onda se iniciou no início e meio de 1918 e amainou por volta do final daquele mesmo ano. A segunda onda veio no início de 1919 e se manteve ativa até o final daquele ano, até começar a perder sua força e desaparecer. Essa segunda onda foi mais devastadora e causou um número maior de óbitos. Ela era mais forte, mais virulenta e infecciosa do que sua predecessora, provavelmente por ter sofrido outra mutação.

Controlar a disseminação da doença era difícil. Os oficias de saúde na sua maioria ignoravam os conselhos dos médicos que encorajavam quarentenas e a ação de dispersar grandes multidões para reduzir o risco de contágio. O fim da Grande Guerra havia aumentado o furor patriótico nos países vencedores, manifestações e paradas em homenagem aos heróis retornando da Europa acabavam reunindo milhares de pessoas. O final da guerra em Novembro de 1918 fez com que as pessoas se reunissem em igrejas, salões, casas de festa, lugares que ficavam apinhados de pessoas, o que ajudava muito a proliferação. 


Com o termino da Guerra, o governo norte-americano finalmente começou a concentrar seus esforços nas medidas para contenção da epidemia. Mas então, já era tarde demais. Uma pandemia em larga escala havia se iniciado e estava muito adiantada para ser debelada. Hospitais, clínicas e pavilhões para doentes estavam lotados com mortos e moribundos. Grandes prédios de apartamento, haviam se convertido em instalações de isolamento já que todos lá dentro estavam doentes. Teatros, cinemas e escolas fecharam suas portas e passaram a receber doentes, uma vez que seu funcionamento havia sido vetado. 

Ao redor do mundo, pessoas tentavam suas próprias receitas para evitar a gripe espanhola. Elas ficavam longe umas das outras, vestiam máscaras de gaze e rezavam por um milagre. Algo que fizesse diferença e os salvasse da infecção letal. Se as pessoas tivessem compreendido desde o início a natureza da doença - quando ela estava mais fraca, poderiam ter tido tempo de se preparar para enfrentá-la. A demora em reconhecer o tamanho da ameaça permitiu que a epidemia se tornasse uma "mega-pandemia" tão grande que nada na história da humanidade podia se comparar. 

Serviços de saúde pública em todas as grandes cidades estavam despreparados para esse tipo de emergência e não sabiam exatamente como lidar com a questão. Uma das melhores ideias que eles podiam ter, era espalhar pôsteres nas paredes para conscientizar a população. 

Um desses cartazes emitido pela Secretaria de Saúde concedia as seguintes informações:

"EPIDEMIA DE INFLUENZA (ESPANHOLA)".

Esta doença se espalha muito facilmente. 

Ela se desenvolve como uma gripe comum que se transforma numa severa pneumonia.

Não existem remédios eficazes contra ela.

Fique longe de reuniões públicas teatros e lugares com grande concentração de pessoas. 

Se alguém em sua casa ficar doente, mantenha-a isolada e não tente prestar ajuda.

O local deve ser fechado e quente.

Qualquer pessoa que venha a ter contato com a pessoa infectada deve usar máscara a todo momento.


Por dois anos, a Gripe Espanhola pairou como uma sombra sobre a cabeça de milhões de pessoas assustadas. Qualquer um podia morrer, a qualquer momento. As pessoas falavam a respeito dela com reverência e um temor que beirava o sobrenatural. As crianças brincando nas ruas pulavam corda, repetindo uma cantiga que ficou muito famosa:

"Eu tinha um pequeno pássaro,
seu nome era Enza,
Eu abri minha janela,
E In Flu Enza" 
(trocadilho com "in flew Enza - pra dentro voou Enza)

Os resultados da Gripe Espanhola no mundo foram significativos. Hoje, poucas pessoas lembram do que aconteceu naqueles dias negros de medo e incerteza, alguns sequer sabem a dimensão do terror que foi aquela epidemia mortal, uma que tomou dos dedos da Peste Negra o primeiro lugar em letalidade.

A epidemia começou silenciosa, mas logo devastou cidades inteiras, matou indiscriminadamente ricos e pobres, pessoas de todas as etnias, credos e raças. Ela desapareceu tão rápido quanto surgiu. Em meados de 1920, casos de Influenza já eram bastante raros, e nos anos seguintes a doença desapareceu como um pesadelo esquecido ao longo do dia.

Mas ela ainda existe hoje em dia, adormecida e silenciosa. Contudo, a Gripe Espanhola é uma lembrança aterradora da nossa fragilidade diante de um minúsculo assassino, letal e invisível.

Um comentário:

  1. Meu avô nasceu no início do século XX e morreu com mais de 100 anos. Na época ele morava em Santos, SP. Contou-me que circulavam carroças gritando para que as fsmílias trouxessem seus mortos diariamente. Depois ele mudou-se para Paraty, sul do RJ onde ele presenciou famílias inteiras de vizinhos dele sucumbirem ante o tifo.

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