domingo, 23 de agosto de 2015

A Ciência do Abismo II - Analisando os Abissais de um ponto de vista Biológico


Com o mencionado anteriormente, a metamorfose de humanos em abissais apresenta um considerável grau de variação dentre a população. As alterações são diferentes de um indivíduo para o outro: na medida que algumas pessoas apresentam mudanças graduais que podem levar anos para serem sequer percebidas, outras no curso de poucos meses já apresentam mudanças profundas e impossíveis de serem escondidas.

Além disso, o tipo de transformação também varia. Algumas das filhas da decadente Família Marsh tinham uma aparência reptiliana, enquanto outros possuíam aspectos típicos de batráquios (sapos). Lovecraft cita em seu conto, outras possíveis variações no processo de metamorfose dos híbridos, mas estes não aparecem diretamente na estória.

No filme Dagon, de Stuart Gordon (inspirado no conto de Lovecraft) temos uma grande quantidade de híbridos com óbvias variações:   

Algumas curiosas variações incluem a ausência completa de cabelos e pelos, a pele macilenta e sempre úmida, a ausência de orelhas e a presença de dentes afiados. Os olhos não são necessariamente grandes ou incomuns. Seria esse um estágio da transformação ou uma variação na população de híbridos?
O gerente da Pousada Gilman. Os olhos não são particularmente arregalados, mas durante a sequência em que aparece esse indivíduo não pisca. Trata-se de um homem com cerca de 50 anos, mas as mudanças físicas são sutis evidenciando que o processo de transformação pode agir de maneira mais lenta em alguns indivíduos. É possível que alguns híbridos simplesmente não passem pela metamorfose no final da puberdade e que as mudanças significativas só comecem muito mais tarde. 
Na cena acima, vemos uma fêmea híbrida que aparenta ter poucas alterações físicas. À primeira vista ela sequer parece ser uma híbrida abissal...

...contudo, os genes claramente manifestam um fenotipo octopode, não de répteis ou batráquios como usual. Seriam esses os "outros residentes" aludidos por Lovecraft em The Shadow Over Innsmouth? Haveriam outros exemplos de híbridos detentores de variações ainda mais bizarra? Seria possível que abissais pudessem se reproduzir com outras formas de vida encontradas em alto mar? Se aceitarmos isso, porque há poucos menções a abissais com característicasde tubarões, golfinhos ou baleias?

Além da variação fenotípica demonstrada nos híbridos, existirua uma variação na hibridação durante o cruzamento com humanos? Por que alguns indivíduos passam pela metamorfose completa e outros não? O que causa o início da metamorfose? Existem alguns grupos humanos mais facilmente hibridizados com Abissais do que outros? Por exemplo, as populações da Polinésia e da região costeira da Nova Inglaterra seriam mais aptos a receber hibridização? Outros povos, digamos, da América Central, América do Sul ou da África Ocidental teriam o mesmo resultado? São questões intrigantes abertas a exame e investigação.

Para solucionar essas questões se faz essencial definir qual a origem dos abissais. Infelizmente, Lovecraft jamais foi tão longe... ele nunca disse de onde vieram os abissais, apenas que eles estavam entre nós.  

Para traçar as possíveis origens dos abissais é interessante analisar as hipóteses de surgimento de vida no planeta conforme o cânon de Lovecraft. Todas essas hipóteses assumem que a Raça Anciã (Elder Things) são os criadores de todas as formas de vida complexas em nosso planeta (de acordo com At the Mountains of Madness).

Vejamos então as possíveis origens dos abissais:

1. Os Abissais são membros menores das Crias de Cthulhu – Sob essa hipótese os abissais não são nativos do planeta Terra, eles teriam vindo para cá junto com as Crias de Cthulhu em sua migração da distante Xoth. Enquanto as terríveis Crias de Cthulhu podem ser consideradas como membros da aristocrática "Corte de R’lyeh”, os Abissais sempre foram considerados "seguidores" de Cthulhu. Sob essa hipótese, os abissais seriam, tão somente, alienígenas, assim como as demais entidades ligadas a Cthulhu, e é claro, o próprio Grande Cthulhu. Eu não creio que essa é uma hipótese válida, uma vez que humanos e abissias são capazes de cruzar entre si. Novamente, se abissais e humanos fazem parte do mesmo genus é por que são compatíveis e tem uma origem semelhante. Eles precisam ter um nível genético bastante similar para permitir a reprodução. Além disso, tal grau de ligação existe na Terra, e não há qualquer base para acreditar que formas de vida alienígena teriam condições de procriar com seres humanos.


É interessante comparar essa noção com o que vemos na concepção de Lavinia Whateley, dando a luz a seus filhos Wilbur e o "gêmeo monstruoso" no conto "The Dunwich Horror". O ato sexual, nascimento e procriação nessa estória são muitíssio diferentes e em nada similares aos mecanismos biológicos terrestres. Portanto, ainda que Yog-Sothoth possa ter gerado um "híbrido” com uma fêmea humana esse é um evento extremamente raro. O cruzamento entre seres inter-dimensionais, não obedece a qualquer padrão ou regras biológicas da Terra. 

Sendo assim, me parece adequado desconsiderar essa hipótese e assumir que os abissais são de origem terrestre e não alienígenas. Isso exclui também a origem deles proveniente de outras dimensões ou realidades.

2 - Os Abissais foram resultado de engenharia genética (possivelmente pelas Crias de Cthulhu) - Não se sabe ao certo qual o grau de desenvolvimento científico das Crias de Cthulhu, mas há razões para se acreditar que eles possuem domínio sobre avançada ciência.

Se esse é o caso, poderiam as criaturas de Cthulhu utilizar seus conhecimentos para construir toda uma raça de seres aquáticos? Seria possível que os abissais foram construídos pelos seres de Xoth para serem "seus serviçais"? Se esse é o caso, haveria uma explicação razoável para os abissais venerarem o Grande Cthulhu como um Deus. Ele, afinal de contas, os teria criado e se o criador equivale ao "todo poderoso", tudo se encaixa. Lembre-se também de que os abissais habitam as cidades submersas que um dia foram o lar das Crias de Cthulhu.

No entanto, essa hipótese esbarra no fato dos humanos serem uma raça que sabidamente foi geneticamente criada, por acidente pela Raça Anciã. As Crias de Cthulhu eram inimigos naturais da Raça Anciã, então com que motivo eles criariam uma raça que poderia procriar com uma espécie por sua vez construída pelos seus inimigos?

Além disso, humanos e abissais fazem parte do mesmo genus. As Crias jamais demonstraram qualquer vocação para criar algo, nem remotamente humano. Seu desprezo para com as formas de vida terrestre é muito conhecido, eles são demasiadamente alienígenas para criar qualquer coisa remotamente terrestre.

3. Os Abissais foram resultado de Engenharia Genética da Raça Anciã – A Raça Anciã é responsável pelo surgimento das formas de vida na Terra. Seus "experimentos falhos" se arrastaram para fora de seus avançados laboratórios e evoluíram, tornando-se aquilo que chamamos de "seres vivos da Terra". 

O "ápice" das criações terrestres, ao menos do ponto de vista da Raça Anciã, são os Shoggoths, que podem ser compreendidos como organismos capazes de se adaptar a qualquer ambiente e sobreviver em qualquer condição não importa o quão adversas. Por mais alienígenas que sejam os Shoggoth, eles são criaturas similares aos seres vivos da Terra.

Novamente, eu não fico satisfeito com essa hipótese em face do fato que humanos e abissais serem capazes de reproduzir. Se a Raça Ancestral criou os abissais em um experimento completamente diferente, eles não seriam capazes de cruzar com humanos. Shoggoths e seres humanos não reproduzem (ao menos até onde sabemos), bem como abissais e Shoggoths.
4. Os Abissais e os Humanos compartilham de um mesmo ancestral, assim como ocorre entre os Humanos e os Grandes Macacos - Eu encaro essa hipótese como mais plausível, já que humanos e abissais podem se reproduzir entre si. Na natureza, temos animais como as éguas e os jumentos que podem se reproduzir, e cuja diferença genética não é tão distante. 

No esquema abaixo, vemos como os humanos estão próximos dos Grandes Macacos em se tratando de compatibilidade genética. Apenas duas substituições críticas no código genético nos separa dos chimpanzés por exemplo, nosso "parente" mais próximo. 

A figura mostra como a taxonomia entre humanos e macacos é aproximada. Se os abissais compartilham da mesma herança genética, eles estariam ainda mais próximos da humanidade do que os macacos já que humanos e macacos não podem se reproduzir, já abissais e humanos podem. 

Isso significaria dizer que nosso parentesco com os abissais seria incrivelmente próximo. 

4. Humanos são parte do Ciclo de Vida dos Abissais - Ainda que essa hipótese possa parecer muito estranha, ela poderia explicar a facilidade como ocorre a reprodução entre humanos e abissais. Isso também poderia explicar, porque não há qualquer registro de reprodução entre abissais. Não há nenhum caso documentado de fêmeas abissais prenhas. Da mesma maneira, não se sabe de filhotes de abissais com características e peculiaridades totalmente desenvolvidas. 

Se levarmos em consideração essa hipótese, os abissais realizam uma bizarra forma de metamorfose na qual eles precisam ir para a terra a fim de acasalar e então voltar para o mar (de forma inversa ao que ocorre com os anfíbios). 

Se essa hipótese é válida, e não há por que não ser, os humanos não seriam mais do que um estágio do ciclo de vida dos abissais. Nesse caso expresso, todos humanos são Abissais e todos abissais são humanos. Não há híbridos – os humanos que iniciam a metamorfose simplesmente retornam para o mar para completar o seu ciclo de vida.
Humanos, abissais, híbridos...

Talvez o próprio Lovecraft não tenha contemplado todas as implicações genéticas de sua criação, mas é inegável que o gênio do autor dá margem para inúmeras interpretações.

2 comentários:

  1. Não sei se você tem formação em Genética (eu não tenho, mas li "argumas coisa"), mas a última hipótese poderia ser melhor elaborada nesse sentido.

    Os seres humanos e os abissais seriam uma única espécie, mas as características abissais seriam recessivas (tais como o albinismo, os olhos verdes e os polegares largos entre outras milhares de coisas). Algumas populações desenvolveram essas mutações porque viveram muito tempo dependendo diretamente do mar, outras porque a miscigenação trouxe os genes de fora. Aliás, os canacas (da Nova Caledônia) são melanésios, não polinésios (mas nada impede acrescentarmos que os polinésios também são próximos dos abissais porque existem ruínas muito interessantes no Taiti e em Kiribati).

    Assim, os genes recessivos só se manifestam quando duas pessoas que os têm se reproduzem e o filho herda o gene recessivo de ambos os pais. Isso explicaria várias coisas:

    1 - um dos irmãos "virar" abissal e outro não
    2 - o surgimento de "abissais" entre pessoas que aparentemente não tem qualquer relação com Innsmouth, Inboca ou qualquer outro lugar
    3 - Os abissais se comportarem em geral como humanos

    ResponderExcluir
  2. Ótima Matéria. Poderia, por favor, me indicar a fonte da imagem que mostra a taxonomia entre humanos e macacos, para que eu possa usar em um trabalho?

    ResponderExcluir