sábado, 5 de março de 2016

Enigma Marinho - O Desaparecimento do Veleiro Sarah Joe


Scott Moorman nasceu em 1952 e cresceu no Vale de San Fernando, na Califórnia, mas sempre alimentou o sonho de um dia viver no Havaí.

Depois de muitos planos ele conseguiu se mudar para um lugar idílico chamado Hana na Ilha de Maui. Era 1973, e naquela época boa parte das ilhas que compõe, o Arquipélogo do Havai ainda eram isoladas e com uma população pequena. Havia menos haoles, ou forasteiros, indivíduos de fora das ilhas, que aos poucos se estabeleciam nelas, atraídos, sobretudo, pelas belezas naturais.

Demorou alguns anos, mas lentamente, Moorman foi sendo aceito pela população local, e se esforçou para que isso acontecesse. Ele aprendeu os costumes, o idioma e se empenhou para que a comunidade o reconhecesse como parte integrante dela. Ele abriu um pequeno negócio de construção de casas e era feliz com sua esposa e filhos.

Em fevereiro de 1979, Scott e quatro amigos, Peter Hanchett, Patrick Woesner, Benjamin Kalama, e Ralph Malaiakini, concluíram a construção de uma casa. Para comemorar o término do contrato, eles decidiram tirar um final de semana de folga. Haviam acabado de receber o salário e estavam satisfeitos com um abono oferecido pelo seu contratante. Decidiram alugar um barco e fazer algo que já haviam combinado inúmeras vezes: pescar em mar aberto.

O barco alugado era o "Sarah Joe", um veleiro de 17 pés, construído na década de 1950, mas sólido e bem cuidado. O motor de 85 cavalos havia sido ajustado recentemente e, no geral, a embarcação estava em perfeitas condições de uso. Entre os amigos, Woesner e Hanchett tinham experiência náutica e já haviam navegado várias vezes, inclusive a bordo do Sarah Joe. O grupo comprou cerveja, refrigerante, guloseimas e encheram um grande cooler com gelo para armazenar os peixes que pretendiam trazer de volta.


Os amigos se despediram de suas famílias e se encontraram no Porto de Hana. Partiriam na manhã de um sábado, para aproveitar ao máximo o final de semana, e passariam pelo Canal de Alenuihaha, entre Big Island e Maui, um trecho de mar traiçoeiro. Fluindo através do Mauna Loa, o maior vulcão do mundo, as águas ali atingem uma profundidade de 17.000 pés (5.181,6 m) e apresentam fortes correntezas na superfície. No dia em que o grupo escolheu navegar, um sistema de baixa pressão havia se formado próximo às ilhas e se intensificou a medida que se aproximava do Canal de Alenuihaha. Mas em Hana, o tempo estava bom e nada sugeria a possibilidade de tempestade. As redes de televisão e rádio também não mencionaram qualquer sinal de perigo. A baia estava tranquila, com uma leve marola e no céu azul despontava um belo sol. Após se despedir da autoridade portuária, eles partiram no Sarah Joe, avisando que retornariam em dois dias.

Foi a última vez que eles foram vistos... Assim teve início um durador mistério de desaparecimento que provavelmente jamais será solucionado.

Apenas duas horas depois de partirem, o vento mudou de direção e ganhou força. Por volta das três horas da tarde, a ventania que castigava o Canal de Alenuihaha formava grandes ondas e uma chuva torrencial começava a cair. Moradores disseram que a tempestade foi uma das piores em 50 anos. Boa parte de Hana foi inundada e muitas casas tiveram telhados arrancados pelo vento. Três barcos de pesca retornaram às pressas para o porto assim que perceberam a intensidade da tempestade que se preparava para cair. A tripulação de um dos barcos viu o Sarah Joe indo na direção contrária e tentaram acenar. A despeito dos alertas, o veleiro seguia rápido na direção da tempestade e não deu qualquer sinal de dar meia volta.

A Guarda Costeira foi notificada às cinco horas da tarde de que um barco estava desaparecido. Um helicóptero de resgate foi despachado para sobrevoar a área e determinar a posição do Sarah Joe. Mas a força da chuva dificultava cobrir uma área mais extensa. A visibilidade também era prejudicada. Um dos homens da patrulha contou que o tempo estava tão ruim que "eles não conseguiam ver além de 50 pés". Às sete horas, um avião de asa fixa e mais dois helicópteros foram trazidos de Oahu. Nenhum sinal do Sarah Joe foi encontrado. Na manhã seguinte, três navios da frota da Marinha Norte-Americana e veículos aéreos se juntaram. A suspeita de todos era que o Sarah Joe poderia ter sido arrastado, ficando à deriva pela força do vento. O pior cenário era ele ter afundado e seus tripulantes terem se perdido na água. Nesse caso, resgatá-los seria uma tarefa quase impossível.


Os dias passaram e nem mesmo um destroço do Sarah Joe foi encontrado. Ao longo de cinco dias de buscas ininterruptas, 56.000 milhas quadradas (145.039,3 km2) de oceano foram cobertas por um total de 44 embarcações e veículos aéreos. No sexto dia, a busca oficial foi cancelada.

As famílias, amigos e vizinhos, no entanto, não desistiram. Um dos homens que prosseguiu nas buscas declarou: "Os tripulantes do Sarah Joe são jovens, fortes e saudáveis. Eles tinham experiência no mar e eram bons nadadores. Eles poderiam sobreviver por dias. Se alguém tivesse encontrado sinal de naufrágio, destroços ou restos, nós concordaríamos que eles afundaram por causa da tempestade, mas nada foi achado. Por isso, nós acreditamos que eles possam estar perdidos, quem sabe, ainda vivos". Um fundo foi criado para ajudar nas buscas e mais de 50 mil dólares arrecadados. O dinheiro foi usado no aluguel de barcos comerciais e aviões privados que se juntaram a voluntários que conduziram uma busca mais extensa. Centenas de voluntários vasculharam o sul de Maui e a costa de Hamakua e Big Island. Acreditavam que a correnteza pudesse ter arrastado o grupo forçando-os a desembarcar em uma ilha ou arrecife isolado. Mas no fim, nada que pudesse ser relacionado ao Sarah Joe ou seus tripulantes foi encontrado. É muito raro um barco afundar com tudo, sem deixar um destroço que seja. Mesmo embarcações menores, quando afundam, deixam ao menos algum vestígio para ser encontrado, uma boia ou fragmento flutuante.

Uma semana depois da Guarda Costeira desistir, os voluntários admitiram que não havia mais o que fazer. Eventualmente, com um pouco de sorte, alguém encontrariam alguma pista ou algum corpo seria lançado no litoral. Nada, no entanto, veio à tona. Exatamente um ano depois do desaparecimento, um serviço memorial foi realizado em Maui congregando as famílias para um enterro simbólico das cinco vítimas. Se não era a conclusão desejada, ao menos aquilo serviria para dar um fechamento à tragédia, permitindo que os familiares seguissem adiante com suas vidas.

O tempo passou: nove anos para ser mais exato.

Em 10 de setembro de 1988, um biólogo marinho chamado John Naughton foi contratado pelo governo das Ilhas Marshall para encontrar um habitat adequado para servir como santuário natural de tartarugas e aves marinhas. O grupo de Naughton realizava explorações em uma vasta área com mais de 2,300 milhas de extensão.


Essa região possui inúmeras ilhotas desabitadas conhecidas coletivamente pelo nome de Atol de Taongi (ou Bokak). Considerado parte das Ilhas Marshall, esses montes não são mais do que pequenas faixas de terras áridas que despontam do oceano e frequentemente são submersos. Neles cresce uma tímida vegetação rasteira e não há fontes de água potável. O ambiente é absolutamente hostil ao estabelecimento de pessoas. Os únicos que habitaram essas ilhas ao longo da história foram soldados japoneses deixados ali como observadores nos dias da Segunda Guerra Mundial. Trata-se de um verdadeiro deserto marinho, tão afastado, que a rota comercial mais próxima se encontra a mais de 200 milhas de distância. A área é tão isolada que na década de 1950 por pouco ele não foi escolhido como local para testes de bombas nucleares.

Taongi estava longe de ser um paraíso tropical, mas poderia ser o lugar perfeito para a criação do santuário marinho. O grupo de Naughton desembarcou na costa rochosa e começou a explorar a área. A cerca de 150 metros da praia eles encontraram algo estranho e se aproximaram para verificar. Observando de perto, descobriram que se tratava de um veleiro de fibra de vidro com as letras "HA" pintadas no casco arranhado e muito amassado.

Por coincidência, Naughton havia morado no Havaí e sabia que aquela designação significava que essa era a procedência do veleiro. O grupo virou o barco e encontrou as letras SRAH  J ainda visíveis, pintadas no costado. Ironicamente, Naughton foi um dos voluntários que diligentemente participou das buscas ao Sarah Joe quase dez anos atrás. Ele sabia o que havia encontrado e mal pode conter a emoção. Lágrimas correram de seus olhos. O grupo então começou a se perguntar o que teria acontecido com os cinco tripulantes, pois não havia nenhum sinal deles à bordo. Nenhum corpo, nenhum recado, nenhum roupa... Naughton e sua equipe decidiram vasculhar a ilha e procurar cada centímetro dela em busca de qualquer sinal da presença de sobreviventes.

A cerca de 30 metros do barco semidestruído, os homens toparam com uma rústica cruz de madeira marcando uma cova rasa. Havia uma pilha de pedras e restos de recife que foram usados para marcar o lugar. O mais mórbido é que sobre a pilha descansava uma mandíbula humana. O grupo removeu uma grande pedra lisa e se espantou ao encontrar de baixo dela um grande número de folhas de papel queimadas. Não havia nada que pudesse ser lido nas folhas amareladas de papel, estavam muito desgastadas pelo sol e pela exposição à chuva.


Cuidadosamente eles começaram a remover as pedras que formavam a sepultura encontrando ossos humanos enterrados. Naughton disse aos homens para parar a escavação e colocar as pedras de volta no lugar. "Nós não precisávamos cavar o túmulo. Estava claro que era um enterro cristão e os homens que me acompanhavam eram todos das Ilhas Marshall, um povo muito respeitoso quanto a rituais funerários. Eu percebi que havia dentes ali dentro e estes tinham obturações metálicas, o que apontava para o fato de serem bem recentes. Além disso, os ossos não estavam muito gastos".

Após concluir uma busca na ilha inteira, Naughton entrou em contato com as autoridades das Ilhas Marshall. A Guarda Costeira americana foi informada da descoberta e enviou dois médicos legistas para fazer uma identificação dos restos. As famílias foram comunicadas e cederam registros dentários e amostras de DNA de seus parentes desaparecidos. Os ossos foram levados para um Laboratório em Honolulu, onde concluíram que não se tratava de um esqueleto completo. Faltavam vários ossos que nunca foram achados. Apesar disso, era o suficiente para uma identificação positiva que determinou sem sombra de dúvidas tratar-se dos restos de Scott Moorman. A causa da morte não pode ser determinada. 

As famílias dos quatro outros desaparecidos contrataram um especialista para tentar encontrar pistas sobre a presença dos outros homens na ilha, qualquer coisa que sugerisse que eles enterraram Moorman e depois seguiram adiante. O especialista levou uma equipe até Taongi onde eles se concentraram em buscar qualquer sinal de presença humana no local. Eles localizaram o motor do Sarah Joe (identificado pelo número de série) no fundo de uma lagoa de coral. Nas proximidades da sepultura, acharam mais alguns ossos, mas nada além disso. O especialista e sua equipe declararam que não havia absolutamente mais nada a ser achado. Os ossos foram identificados como pertencentes a Scott Moorman.


Mas o que teria acontecido com o Sarah Joe e seus cinco tripulantes que partiram de Maui naquele fatídico dia? Eles teriam sobrevivido à tempestade? Teriam sido arrastados por dias e dias até serem arremessados no atol? Quem teria enterrado Scott Moorman? Por que não teriam deixado alguma identificação ou uma mensagem de sobrevivência que fosse? Para onde teriam ido posteriormente? E se não foram os tripulantes do Sarah Joe, quem então enterrou Moorman? O que seriam os papéis queimados na sepultura? Por que a mandíbula dele foi deixada do lado de fora? 

São tantas as questões, tantas as lacunas a serem preenchidas nesse incidente que nenhuma explicação parece totalmente viável. 

Algumas pessoas sugerem que o Sarah Joe poderia ter vagado à esmo por quase 10 anos até ser lançado de encontro ao atol. Contudo, existe apenas uma pequena entrada através dos recifes que cercam o atol e as chances de entrar ali por acaso são pequenas. Teria o Sarah Joe simplesmente flutuado através da estreita passagem e encalhado em um banco de areia? 

Os teóricos de conspirações, como não poderia deixar de ser, criaram ao longo dos anos várias teorias sobre esse peculiar incidente... mencionam desde o fenômeno da perda de tempo, até abdução alienígena, passando por civilizações perdidas, emerção de ilhas e erupções submarinas de fumaça tóxica. Alguns supõem que o veleiro tenha chegado naturalmente até o atol e lá foi encontrado por indivíduos que por alguma razão já se encontravam lá e meramente enterraram o cadáver restante. Mas nesse caso, o que seriam os documentos queimados na cova rasa? E quem seriam essas pessoas misteriosas num atol que permanece deserto a maior parte do tempo?


Uma das teorias mais controversas (e fantásticas) cita que o veleiro poderia ter sido abduzido por um OSNI (Objeto Submarino não-identificado) e transportado até o atol onde seus ocupantes foram removidos e submetidos a algum experimento. Curiosamente o fenômeno dos OSNIs é muito popular nessa região do Pacífico, principalmente nas Ilhas Marshall, um dos pontos com mais avistamento de luzes submarinas no planeta. A notável distância entre o local do desaparecimento - Maui, e o ponto em que o Sarah Joe foi encontrado - o Atol de Taongi também impressiona, são mais de 3760 Km (aproximadamente a distância entre Porto Alegre e Recife). Dificilmente o Sarah Joe chegaria até lá com a tripulação ainda viva.

Seja lá o que aconteceu com os tripulantes do Sarah Joe, é pouco provável que um dia venhamos a saber, mas a estranheza desse caso, faz com que tenhamos aquela sensação de que o mundo ainda nos reserva vários segredos.

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