sexta-feira, 22 de julho de 2016

Palácio das Maravilhas - A incrível Casa dos Sonhos de Guilhermo Del Toro


Baseado no artigo de Monica Almeida (New York Times)

Para essa entrevista eu me preparei antecipadamente!

Coloquei uma trilha sonora sinistra e tentei ao máximo ignorar o sol brilhante da Califórnia do lado de fora. Toquei a campainha da tranquila casa suburbana, ansiosa pelo que iria encontrar lá dentro. Confesso que do lado de fora, nada chamava muito a atenção: o jardim era bem cuidado e nada parecia quebrar a tranquilidade da vizinhança.

Com o canto do olho consegui ver poucos antes da porta ser atendida uma placa de bronze na parede, onde era possível ler "Bleak House" em letras góticas.

A porta abriu e fui convidada a entrar pelo próprio Dono da Propriedade. 

As paredes do hall eram pintadas de vermelho e um enorme cão infernal (a versão do mitológico Cerbero vista em Hellboy) me saudou. Uma enorme cabeça de Frankenstein flutua no ar, suspensa no corre mão da escadaria. Os quadros atraíam minha atenção, obras de extremo bom gosto de pinturas renascentistas. Na biblioteca H.P. Lovecraft consultava uma estante de livros à procura de algum tomo de raro saber esotérico enquanto. Num confortável sofá vitoriano um boneco aterrorizante lançava seus olhos malignos sobre um gárgula de bronze maciço. 

Bem vindo ao Palácio dos Sonhos construído por Guilhermo del Toro.


Bleak House é como o Sr. del Toro, o cineasta mexicano conhecido pela assustadora obra prima de fantasia "O Labirinto de Pã" e pelos sucessos "Hellboy" e "Círculo de Fogo", chama sua morada, que serve como Santuário para sua fértil imaginação.

É lá que ele escreve seus roteiros, tem suas idéias de produção e reúne os artistas responsáveis pelos assustadores efeitos especiais e impressionantes figurinos e direção de arte. Del Toro sorri e concorda: "É aqui onde surgem as melhores ideias. Na maioria das vezes é aqui onde eu sento e escrevo sem parar" Cada seguimento de filmagem é detalhado como em uma animação.

Na casa há uma imensa biblioteca com um vasto acervo reunindo mais de 9 mil livros versando a respeito de Ocultismo, Horror, Contos de Fadas, História Antiga, Mitologia, Folclore, Anatomia e Romances Góticos. Os livros nas prateleiras são inspiração para incontáveis roteiros rabiscados e ideias para filmes: 

"Guilhermo tem uma imaginação e um rigor que eu não vi em nenhum outro diretor com quem trabalhei" contou o ator Tom Hiddleston, que Del Toro dirigiu em sua última produção "A Colina Escarlate". "Ele encontra beleza nas sombras e nas coisas estranhas", completou maravilhado com a coleção reunida em Bleak House.

Del Toro é claro, acredita em fantasmas, e moldou sua casa meticulosamente para refletir seus gostos peculiares como se ela fosse uma clássica Casa Assombrada.


Há mais de 700 peças originais de arte em Bleak House, trabalhos que incluem desde obras apavorantes de R. Crumband e H.­R. Giger, até peças originais dos Estúdios Disney para os clássicos "Fantasia" e "A Bela Adormecida", todos eles escolhidos cuidadosamente por Del Toro. O lugar parece bem pouco uma "Men Cave", está mais para um Museu de Bizarrice, onde podemos ver cenas de crucificação e modelos de anatomia usadas em universidades vitorianas, lado a lado com posters de filmes orientais do diretor Miyazaki. Há uma infinidade de esculturas, muitos itens de cenografia, personagens obscuros de desenhos animados dos anos 1930, cartazes, peças usadas por atores famosos, fotografias antigas emolduradas e outras maravilhosas excentricidades que preenchem cada espaço onde você pousa seus olhos. 

"Eu comecei a colecionar essas coisas quando era criança. Eu guardei tudo que comprei desde então. Eu sou um fã de monstros. Eu amo fantasia, eu amo ler. Eu tenho essa casa para mim. Na minha casa eu mantenho uma biblioteca de horror, uma de história, uma dedicada a arte. É aqui que guardo meus livros. Tenho passagens secretas atrás das estantes. Tenho uma sala onde sempre ouço o som de chuva. Essa é a casa que eu sempre sonhei em ter quando era criança, um sonho que realizei ao completar cinquenta anos".

Del Toro completa seus pensamentos:

"Isso acontece a todos nós: Nossa casa reflete aquilo que somos. Mesmo quando as pessoas dizem para não julgar um livro pela capa, nós somos aquilo que nos pertence. Eu sei que a diferença entre colecionar e acumular é muito pequena. Um sujeito que acumula coisas, meramente junta tudo de forma compulsiva enquanto um colecionador admira seus objetos, seus livros, cada item tem um significado. É isso que eu sou: um colecionador". 


Del Toro mostra alguns objetos que chamam mais a atenção:

"Eu tenho fotografias originais que pertenceram a Arthur Conan Doyle, quando ele estava investigando a existência de fadas" conta Del Toro mostrando algumas fotos em sépia adornando a parede atras de si. "Estes são os últimos retratos do pai de Conan Doyle, Charles: Ele foi internado em um manicômio por acreditar na existência de fadas".

Durante a visita é inevitável fazer perguntas como "O que você guada dentro desse caixão?" e "De onde vieram essas cabeças humanas decepadas?". Essas questões surgem naturalmente enquanto nós adentramos os cômodos repletos de objetos incomuns.

Del Toro não mora nesse endereço, sua esposa e filhas acham o lugar muito assustador, então preferem residir em uma casa na vizinhança, uma "casa normal" como diz sua mulher. Para ele, no entanto, Bleak House é um refúgio para onde ele pode escapar e apreciar sua coleção. Quando sua família não está por perto ele aproveita para dar uma escapada afim de escavar em meio aos seus tesouros.

"Se nós andarmos pela casa é possível ver mais do que peças de filmes que eu já fiz. Aqui estão peças de filmes que eu ainda pretendo fazer!" ele salienta, "Aqui está tudo que consegui acumular na minha cabeça enquanto ainda era jovem, e isso está saindo lentamente".


É claro, parte do contra-cheque de Del Toro é usado para sustentar seu vício em objetos únicos da sua coleção. Ele perdeu a conta de quantos comprou nos últimos tempos e diz que não pretende parar tão cedo.

Entre os seus tesouros está uma coleção de valiosos objetos ligados a carreira de Alfred Hitchcock: roteiros anotados, réplicas e objetos de cena originais, muitos cartazes e até mesmo uma cadeira de diretor usada pelo próprio Hitchcock em um de seus filmes e uma máscara funerária.

O interesse de Del Toro pela sua coleção é contagiante. "Eu vou lhe mostrar algumas coisas rapidamente," ele diz, a medida que exploramos Bleak House, "se você não for um completo geek como eu, pode ficar entediada rapidamente".

De modo algum, como ficar entediado diante de tudo isso?  

Abaixo, algumas fotos da vasta coleção:



Del Toro é um fã ardoroso de Frankenstein e em seu escritório ele mantém dezenas de peças que remetem ao clássico original de 1931. Várias das peças a respeito do filme são originais, tendo sido usadas durante as filmagens. Além é claro uma estátua em tamanho natural do monstro.


"A criatura de Frankenstein na minha opinião sempre foi um monstro ao mesmo tempo tocante e belo, sem falar que a interpretação de Boris Karloff era belíssima". Ele espera um dia adaptar a estória para o cinema: "Frankenstein é um belo livro, escrito por uma adolescente e por isso carregado com uma raiva quase palpável".

Del Toro possui uma estátua em tamanho natural baseada em uma famosa fotografia tirada em 1931, na qual o ator Boris Karloff bebe chá enquanto recebe a maquiagem do monstro, feita por Jack Pierce


Pierce foi um lendário maquiador da Era de Ouro do cinema e responsável pelo conceito de vários monstros entre os quais Frankenstein e Drácula.

Uma parte da peça foi modelada pelo ganhador do Oscar Rick Baker, considerado um mago da maquiagem: "Rick veio aqui e me ajudou com essa peça! Ficou excelente"

Del Toro tem muito carinho pelos seus filmes e contou que sempre dá um jeito de levar para casa uma lembrança retirada do set de filmagem. 

Acima podemos ver a máscara original usada durante as filmagens de Blade II que representa os estranhos vampiros cuja boca se abre de forma bizarra.


"Eu tenho a arma usada por Helboy no primeiro filme, eu comprei assim que as filmagens terminaram, concordei em emprestar para o segundo filme, desde que eles em troca me dessem alguns props", conta mostrando a arma guardada em um display de vidro.

"Eu empresto a arma, mas vocês terão que me dar um desses ovos mecânicos gigantes", ele conta se divertindo. "É assim que minha coleção cresce".

O trabalho de arte dessas peças é notável, eles parecem realmente peças únicas moldadas a partir da imaginação do cineasta.


Del Toro conta que costuma dormir no sofá vermelho, ao lado do gramofone (também usado no primeiro filme Hellboy). Ele costuma colocar alguns discos antigos e relaxar. Mas quando quer algo mais familiar, simplesmente aciona um sistema de som que repete continuamente o som de chuva, trovões e tempestade.

"O sofá é ótimo para tirar uma soneca!  Uma coisa que aprendi é que você tem que trabalhar em um lugar onde pode descansar e tirar uma soneca quando necessário."

As estantes de madeira do escritório são em estilo vitoriano, remetendo às antigas bibliotecas das mansões assombradas dos romances góticos que ele tanto ama. Nas prateleiras abarrotadas há inúmeros livros e edições caprichadas de clássicos do horror e da fantasia. Muitos deles, primeiras edições. As antologias incluem o título "Best Horror Stories" comprado por Del Toro quando criança em 1971. Esse foi o seu primeiro livro de horror e o início de sua imensa biblioteca.

"Forrest Ackerman (autor de estórias fantásticas e de horror) era um dos meus heróis. Quando eu era criança sonhava em ser adotado por ele. Meu pai encontrou uma carta em que eu pedia isso! Ele ficou furioso e me deu uma surra" conta gargalhando da lembrança.

Ah sim... o "bibliotecário" dessa coleção não é outro senão H.P. Lovecraft, ou melhor uma estátua perfeita em tamanho natural do autor, consultando um livro que parece ter acabado de remover da estante.
 

"Pedi que o artista fizesse Lovecraft como se ele estivesse consultando os livros em busca de inspiração para uma de suas estórias".

Na sala de estar, uma outra estátua perfeita de Edgar Alan Poe lê descompromissadamente um grande tomo encadernado com couro. Ele parece satisfeito em nos fazer companhia, sentado em uma das poltronas de couro vermelho.

"Esses dois retratos sobre a lareira foram feitos por um artista chamado Michael Deas. Ele é o sujeito que faz todos os selos comemorativos do Correio Norte Americano. Foi ele quem pintou o quadro de James Dean anos atrás e um selo dedicado a Poe. Pedi a ele que fizesse um quadro com o mesmo estilo, retratando Poe e Lovecraft", conta orgulhoso.


Eu sento com ele na sala de estar e não consigo tirar os olhos da estátua de Poe. Ela é tão perfeita, tão detalhada, tão real que eu não consigo evitar de perguntar se ele costuma conversar com ela:

"Eu costumo sentar aqui na sala aproveitando a companhia de Poe e Lovecraft. Adoro a ideia de tê-los ao meu redor, pessoas que eu admiro. Mas eu não falo com eles. Eu não sou louco - ainda" ele responde se divertindo com a minha pergunta.

Sobre uma mesinha de cabeceira está uma reprodução da Cama do Capitão que estava no brinquedo "Piratas do Caribe" na Disneyland. "Eu tirei várias fotografias pois queria um idêntico na minha coleção".

Del Toro não sabe ao certo quantos esqueletos ele possui em sua coleção, "Provavelmente são mais de 100. Eu gosto de pensar neles como belos objetos de arte."


Mas quando pergunto se há algum esqueleto de verdade ele assume uma postura mais séria:

"Eu não quero ter algo assim na minha coleção. Não quero ter um crânio que pertenceu a uma pessoa no passado. Isso me dá arrepios. Eu não gosto de nada com sangue verdadeiro, violência de verdade saída do mundo real. Como mexicano, eu vi coisas estranhas na minha cultura, mas eu não gosto disso na minha casa". Del Toro deixa claro que prefere a visão de artistas.

"Esse esqueleto por exemplo é do brinquedo da Disney "Haunted Mansion" (Mansão Assombrada). Ele é original, comprei alguns anos atrás. Me pergunto quantas pessoas essa peça assustou ao longo de décadas".  diz mostrando outra de suas peças de estimação. 

No canto de um aposento nos deparamos com outra estátua em tamanho natural, ou quase.


"Esse é Jonny Eck, um ator que nasceu sem a parte de baixo do corpo. Ele apareceu no clássico "Freaks" de Todd Browning, de 1932" ele conta se aproximando da peça disposto a falar a respeito dela como bom colecionador.

"Eck era um sujeito bonito. Essa escultura é notável! Você pode perceber as veias de sua têmpora inchadas pelo fato dele estar de ponta cabeça e o sangue ter descido. Ela é incrível em todos os detalhes, cada fio de cablo foi colocado individualmente com uma agulha".

Não há nada melhor do que visitar uma coleção com uma pessoa apaixonada.

Para aqueles que ficaram maravilhados (como eu) pela belíssima coleção, Del Toro confirma que suas peças estarão ao alcance do público em uma exibição no Museu de Arte de Los Angeles (LACMA), e depois serão apresentados em Minneapolis, Toronto, Cidade do Mexico, Barcelona, Paris e por último Nova York. 

É uma oportunidade única de conhecer a paixão e dedicação de um verdadeiro colecionador capaz de transformar o mundo em um lugar surpreendente e inesquecível. 

Update:

Para quem ficou curioso em ver mais detalhes sobre Bleak House, aqui está um video em que o dono da casa serve de anfitrião e mostra orgulhoso alguns dos seus incríveis tesouros:

Um comentário:

  1. Eu gostaria de ter uma casa (ou pelos menos , um quarto) que refletisse meus gostos , assim como Bleak House reflete os de Guillerno del Toro .

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